Você já observou que o valor cobrado na demurrage não é o mesmo do que aquele exposto no site do transportador marítimo internacional?
Postado em 30/06/2020
Neste terceiro post da série “demurrage”, traremos um breve relato de um caso que nos desvendou uma prática, ainda em estudo se frequente ou não, observada na cobrança de demurrage…
Para ler mais sobre o tema demurrage, você poderá acessar nossos três posts disponíveis na página do escritório, que também demonstram nossa percepção sobre o tema através do livre compartilhamento de conteúdo “Demurrage: A Natureza jurídica e as suas consequências”, “Demurrage - Termo de Compromisso de Devolução do Contêiner” e “O que é Demurrage e quais são os prazos prescricionais?”.
Certa vez, durante o atendimento de um cliente, notamos algo intrigante! O problema era relacionado à cobrança de demurrage (também chamada de sobreestadia). Após as perguntas para o cliente e a atenção aos detalhes do caso, notamos que o valor de sobreestadia prevista no site do armador não era o mesmo daquele que estava sendo cobrado pelo próprio armador, sendo que não havia qualquer valor de demurrage estipulado em contrato.
O fato foi o seguinte: nosso cliente adquiriu uma mercadoria do exterior e foi realizar a operação de importação como normalmente se faz… Assim, o agente de carga contratou um frete junto a uma transportadora marítima internacional para realizar o devido transporte. O contrato assinado não previa qualquer valor de demurrage, apenas estabelecia que, em eventual atraso na devolução do container, a taxa de demurrage poderia ser cobrada.
Pois bem, a mercadoria chegou aqui no Brasil e o representante do importador teve que assinar o Termo de Compromisso de Demurrage, aliás, você pode conferir a nossa opinião sobre este Termo no post “Demurrage - Termo de Compromisso de Devolução do Contêiner”.
Ocorre que, houve o atraso na devolução do container e, por consequência, a cobrança da taxa de demurrage. A cobrança resultou num valor muito alto e fomos acionados para analisar o problema.
Durante a nossa análise, ficamos intrigados com o fato de que o valor cobrado pela demurrage estava diferente daquele disponibilizado pelo transportador marítimo internacional no seu próprio site.
É um detalhe que muitas vezes passa despercebido e merece uma breve explicação. Se o leitor for até o site de uma transportadora marítima internacional poderá encontrar a página que trata sobre Demurrage e Detention, e, dentro desta, encontrará alguns valores fixos que são cobrados no caso de eventual demurrage.
Algumas transportadoras marítimas disponibilizam os valores de demurrage e detention em seus sites, a fim de tornar tal informação mais acessível aos seus clientes ou interessados. Deste modo, o cliente ou interessado já tem ciência do valor a ser cobrado.
Teremos que aguardar o desfecho jurídico dessa história. Mas, enquanto aguardamos, alguns questionamento que levantamos sobre o assunto…
Neste título, iremos apontar nossos questionamentos sobre este caso, em que houve a cobrança de altos valores de demurrage ao tempo em que estes valores encontravam-se diferentes do que aqueles previstos nos sites dos transportadores.
Primeiramente, pode parecer muito estranho ao leitor que os valores de algo tão importante como a demurrage simplesmente esteja no site. Ora, quando dizemos que um importador contratou uma transportadora internacional, imaginamos uma grande sala de reunião com negociações acaloradas sobre cláusula entre o transportador e o importador. Porém, quando analisamos na prática, não é bem assim…
Na verdade, quando o importador vai contratar um transportador marítimo internacional, as cláusulas contratuais não são tão simples de serem alteradas pelo importador, sendo este contrato muito semelhante a um contrato de adesão, isto é, um contrato em que apenas uma das partes tem poder suficiente para estabelecer sózinha as cláusulas contratuais.
Dito isso, já sabemos de início que o importador não tem muito poder de negociação… Por que isso ocorre? Isso ocorre por conta da falta de opções de transportadoras que atuam no mercado marítimo internacional e um grande número de fretes que não encontram tempo suficiente para serem negociados um a um.
Essa condição do importador nos transmite a ideia de que, já que o importador não tem muito poder para discutir as cláusulas contratuais, este contrato precisa ser cumprido com boa-fé e integridade pela transportadora. Bem como, ser interpretado favoravelmente ao importador, por estar na condição de aderente.
Tendo em vista que o importador não dispõe de tanto poder para negociar o contrato de transporte, uma das suas únicas ferramentas para poder optar por determinada transportadora é a pesquisa por meio de sites e contatos de algumas (lembrando que o mercado de transporte internacional é dominado por poucas transportadoras) e optar por aquela que tenha as melhores condições, e, caso tenha preocupações com sobreestadia, aquela que apresente a menor taxa de demurrage ao importador.
É claro que o valor da demurrage poderá ser diferente quando estipulado em contrato de transporte, mas, e se o contrato não prever os valores da demurrage? Podemos aplicar os valores do site?
Entendemos que, se o contrato não prever o valor da demurrage, deve-se aplicar aquele valor disponibilizado no site da transportadora, a menos que o contrato estabeleca a aplicação da legislação internacional que preveja algum outro valor.
O motivo da aplicação do valor disponibilizado no site? Como abordamos, o importador utiliza as informações do site que, em última análise, refletem os termos e cláusulas do contrato de adesão, para escolher determinada transportadora marítima internacional, a fim de contratar uma prestação de serviço, ou seja, existe uma expectativa do importador que tais condições sejam cumpridas pelo prestador de serviço. O descumprimento de tais condições demonstraria uma ação de má-fé do transportador, uma vez que pré-estabelece valores em seu site, mas depois os altera para maiores, ação que deve ser absolutamente evitada numa relação contratual.
Imagine o seguinte cenário: na condição de importador você assina um contrato de transporte marítimo internacional sem qualquer previsão dos valores da demurrage. Tendo em vista a inexistência desta cláusula, naturalmente você imagina que os valores da demurrage, disponibilizados no site da transportadora, serão os aplicados em eventual sobreestadia.
Ocorre que, após atrasar a devolução do container, a taxa cobrada é muito maior do que a prevista no site… Ora, os novos valores poderão ter vindo da assinatura do Termo de Compromisso de Devolução de Container (ver nossa opinião sobre o dito Termo no post Demurrage - Termo de Compromisso de Devolução do Contêiner), ou de outra alteração contratual realizada pela transportadora sem qualquer consulta à sua vontade.
Isso mesmo! É a única forma de explicar essa mudança na cobrança a mais de valor… Mas essa alteração é possível?
Como vimos no post sobre o Termo de Compromisso, temos o entendimento de que a alteração ou modificação contratual das condições pré-estabelecidas entre o importador e o transportador representaria uma alteração contratual ou aditamento contratual, isto é, quando as partes modificam um contrato.
De fato, as partes podem modificar o contrato, mas essa modificação só pode ser feita diante da manifestação/concordância de vontade dos contratantes, não apenas do transportador.
Além disso, a alteração contratual posterior representa uma violação ao princípio da boa-fé contratual, isto é, a partir do momento em que o importador firma um contrato com o transportador, este deve ser seguido até o fim do serviço! O contrato não pode ser alterado por determinação do transportador que se utiliza de uma “ferramenta” abusiva para modificar disposições contratuais.
Por fim, a alteração contratual realizada pelo transportador sem a vontade do importador violaria o direito à liberdade contratual deste último e a função social do contrato, uma vez que desrespeita o bom costume e os princípios gerais do direito.
Neste post sobre demurrage, descrevemos uma situação curiosa que extraímos durante o estudo de um caso prático: a diferença entre os valores da demurrage previstas no site da transportadora internacional e aquela cobrada pelo armador.
Vimos a possibilidade do transportador internacional estabelecer os valores da demurrage em seu site. Bem como, os casos nos quais entendemos que esses valores vinculam as partes.
É extremamente relevante que o transportador tenha ciência de abusos durante a cobrança no valor da demurrage, tendo em vista os altos montantes que o importador é tido como obrigado à pagar. O conhecimento sobre os seus direitos, além de ser condição necessária para a saúde financeira de sua empresa, representa a defesa da sua Cidadania.
Para se manter atualizado, é só ficar ligado aqui no blog. E se quiser tirar dúvidas sobre qualquer assunto de Comércio Exterior, agende uma consulta com nosso especialista.
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