Postado em 21/04/2020
Também conhecida pelo termo “sobre-estadia”, Demurrage é uma contraprestação, prevista no contrato de transporte marítimo, utilizada nos casos em que o tempo previsto para se realizar uma operação ou devolução, seja do navio ou container, é extrapolado.
Para ficar claro, vamos compreender este conceito por meio de um exemplo: imagine que um contêiner chegou no porto de Santos-SP, sendo combinado que o mesmo seria descarregado e disponibilizado para o proprietário num prazo de 7 dias. Este prazo também é conhecido como free time, isto é, o tempo em que o proprietário da carga tem disponível para retirá-la do contêiner.
Porém, o dono da carga demorou 15 dias para retirar sua carga extrapolando o seu free time. Assim, por conta do atraso de 8 dias será cobrada a demurrage por dia de atraso.
Quando estudamos a origem da sobreestadia, notamos que a mesma já estava prevista em nosso código comercial criado em 1.850, o qual tratou de normatizar as práticas marítimas da época.
Naquela época a demurrage era aplicada apenas nos casos em que havia o atraso na devolução do navio ou embarcação.
Contudo, foi a partir da utilização do contêiner- conteinerização- equipamento que revolucionou o transporte marítimo de mercadorias nos anos 1960, que a demurrage começou a ser aplicada também nos casos de atraso na devolução de contêiner, situação que popularizou ainda mais a sobreestadia no comércio marítimo internacional visto o uso em massa do novo equipamento¹.
Bom... agora que já vimos o que conceito de demurrage e a sua origem, nos resta a seguinte dúvida:
De uma forma direta, a demurrage é cobrada pelo Armador (transportador marítimo e, às vezes, proprietário do navio ou contêiner utilizado no comércio internacional por vias marítimas), mas também poderá ser cobrada pelo agente NVOCC ou o agente de carga.
Importante informar que o Código Comercial Brasileiro apenas reconhece a relação entre fretador e o afretador na sobreestadia. Portanto, caso o leitor procure o termo “armador” no capítulo de sobreestadia no Código Comercial, não encontrará. Neste caso, podemos dizer que o fretador é proprietário do navio e o Afretador é o armador.
Geralmente, como veremos nos próximos títulos do texto, o proprietário do navio cobra a demurrage do armador nos casos em que o atraso na devolução que diz respeito ao navio.
Enquanto que, no caso de atraso na devolução de contêiner, o agente de carga, armador e NVOCC poderão cobrar a sobreestadia do consignatário da carga.
Para efeitos didáticos, o “Consignatário da Carga” é aquele personagem responsável por receber a mercadoria no porto e retirá-la do contêiner, fazendo a sua devolução posteriormente ao dono do equipamento.
Outra questão muito importante de ser debatida neste texto é a diferença entre a demurrage sobre contêiner e navio.
É importante dizer que existe uma notável diferença, em termos jurídicos, entre a demurrage de navios e a de contêiner.
Deste modo é essencial que tal diferenciação seja feita na análise do caso concreto. Isto porque, as previsões contratuais que abordam a contratação do navio e do container tratam de diferentes objetos jurídicos, diferentes obrigações, diferentes inadimplências e efeitos jurídicos diversos².
Aqui, basta dizer que a demurrage aplicada nos casos em que apenas o navio foi contratado, as consequências jurídicas e comerciais vão afetar apenas o fretador (proprietário do navio) e o afretador (armador).
Apenas para recordar, quando falamos de demurrage de navios, estamos nos referindo ao atraso na devolução do navio para o proprietário, na situação, por exemplo, em que o armador não consegue disponibilizar o navio no prazo previsto e o embarcação permanece atracada no porto muito mais tempo do que o previsto pelo seu proprietário.
Adiante, existe a demurrage de contêineres, como demonstrado pelo exemplo no primeiro título. Neste caso, as consequências jurídicas da demurrage recairão sobre o armador e o consignatário da carga, podendo envolver também o agente de carga, o despachante aduaneiro ou o NVOCC².
Deve-se ressaltar que, o principal objetivo de tal discussão é a possibilidade de identificação do indivíduo civilmente responsável que terá o dever de indenizar o indivíduo prejudicado nos casos de sobreestadia.
Por este motivo, existe a necessidade de se observar, cautelosamente, todas as cláusulas do contrato de transporte firmado entre os contratantes, principalmente em razão dos prazos de free time que são firmados entre estes para evitar a demurrage.
Após a compra e venda de uma mercadoria, o comprador ou vendedor precisam realizar a operação logística para que esta seja entregue ao destinatário que a adquiriu, ou seja, o comprador.
Neste sentido, nasce a necessidade de se contratar um transportador a fim de realizar tal operação. Dessa maneira, o responsável pela logística da carga, geralmente o agente de carga, fará um contrato de transporte com a empresa transportadora que se tornará responsável pela mercadoria até a chegada ao destino combinado.
Após firmado o contrato de transporte, o transportador emitirá o “Conhecimento de Transporte/Carga”, conhecido também como Bill of lading (B/L).
É neste documento que serão declaradas as informações à respeito das condições de transporte da mercadoria, tais como: a origem da mercadoria e o seu destino, preço do frete de transporte, responsabilidade por danos ou avarias, quem será o consignatário da carga no porto de destino, quantidade e descrição das mercadorias transportadas, prazo de free time e as condições de demurrage.
Todavia, pode ocorrer que o conhecimento de embarque não contenha informações sobre as condições de demurrage. Essa situação costuma ocorrer nos casos em que o tais condições são apresentadas no local de destino da carga, por meio do “Termo de Compromisso de Devolução do Contêiner”².
Vamos imaginar agora que houve a ocorrência da demurrage, qual é o prazo que o credor da contraprestação, isto é, aquele que irá cobrar a sobreestadia, tem para entrar com uma ação no poder judiciário?
Este foi um objeto de grande debate no direito marítimo, principalmente a partir do ano 2002/2003, quando o Código Civil revogou o artigo do código comercial que tratava da prescrição na sobreestadia, sendo que esta era de 1 (um) ano.
Por sorte, em 2.015 , o Superior Tribunal de Justiça se posicionou em relação ao tema e concluiu que podem ser utilizados dois prazos prescricionais em duas situações diferentes, sendo estas:
I- Nos casos em que as condições para a cobrança e o valor da demurrage estão expressamente previstas no contrato de transporte, entende o STJ que o prazo prescricional é de 5 anos, a contar da devolução dos contêineres para o seu proprietário.
II- O segundo caso é aquele em que a demurrage não está prevista em contrato com o transportador, situação em que será aplicado o prazo prescricional de 10 anos, a contar da data em que houve a devolução dos contêineres.
Nota-se a complexidade de compreensão do fenômeno da sobreestadia, visto que é necessário um conhecimento geral sobre outras questões do direito marítimo e aduaneiro, como o “conhecimento de embarque”, conceito de Armador, consignatário de carga e dentre outros.
Neste sentido, o objetivo deste post foi tornar possível o aprendizado sobre a demurrage a partir de um breve esclarecimento de conceitos do direito marítimo e do Comex presentes no fenômeno da sobreestadia, bem como a elucidação dos principais conteúdos sobre o tema.
Para se manter atualizado, é só ficar ligado aqui no blog. E se quiser tirar dúvidas sobre qualquer assunto de Comércio Exterior, agende uma consulta com nosso especialista.
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¹ MARQUES, Pedro Henrique Moreira. Análise das questões jurídicas envolvendo a demurrage no direito marítimo. – Niterói, 2018. Página 20.
² WINTER, James. A cobrança de demurrage de contêineres na importação por transporte marítimo internacional : o caso brasileiro / James Winter. - 2019. páginas 25, 26, 37 e 38.
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