Neste post analisaremos a responsabilidade do Despachante Aduaneiro nos casos da demurrage de contêiner no transporte marítimo sob a óptica do direito.
Postado em 28/04/2020
Para recapitular… “Também conhecida pelo termo “sobre-estadia”, a Demurrage é uma contraprestação, prevista no contrato de transporte marítimo, utilizada nos casos em que o tempo previsto para se realizar uma operação ou devolução, seja do navio ou container, é extrapolado”.
Antes de mais nada deve ficar claro que trataremos sobre a demurrage de contêiner e não de navios, tendo em vista que a sobre-estadia de navio está relacionada com o fretador e o afretador e não com o despachante aduaneiro. (Confira a diferença no post anterior “O que é demurrage e quais são os prazos prescricionais?”)
Dentre aqueles que operam no Comércio Exterior, o despachante aduaneiro, sem sombra de dúvidas, é um dos principais intervenientes na área. Sua atuação está, na maioria dos casos, diretamente relacionada com a empresa importadora ou exportadora de mercadorias. Isto porque, o despachante aduaneiro atua como representante da empresa para realizar os trâmites do despacho aduaneiro de importação e exportação, também ligados ao desembaraço aduaneiro da mercadoria e demais serviços aduaneiros para a liberação das cargas.
Ademais, quando falamos da demurrage, o fato de o despachante aduaneiro atuar como representante da importadora criou um questionamento muito importante para a categoria.
Seguindo o entendimento do nosso Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Despachante Aduaneiro é solidariamente responsável para pagar a indenização por demurrage quando expressamente e voluntariamente assinar o “Termo de Compromisso de Devolução do Contêiner”, que o reconhece como responsável solidário pelas despesas de eventual sobre-estadia.
Vários são os casos em que o Despachante Aduaneiro argumenta no processo judicial que não tem relação com a demurrage, sendo que já é consolidado nos tribunais brasileiros a sua responsabilidade solidária quando assina o termo de compromisso.
Explicando brevemente, a “Responsabilidade Solidária” é aquela que existente nas situações em que mais de uma pessoa é obrigada a fazer, não fazer ou pagar algo.
Assim, dizer que o Despachante Aduaneiro é solidariamente responsável pelos valores da demurrage significa dizer que o Despachante Aduaneiro também será obrigado a pagar os valores da sobre-estadia caso o proprietário das cargas não seja cobrado instantaneamente ou se recuse a pagá-las.
Nestes casos, podemos entender que o Despachante Aduaneiro não teria responsabilidade solidária sobre os valores da demurrage, sendo apenas o consignatário das cargas obrigado a arcar com as custas da sobre-estadia de contêiner no transporte marítimo.
No entanto, quando observamos as relações do Comércio Exterior na prática, é possível se notar que raramente uma operação de importação/exportação será realizada sem que haja a previsão da demurrage entre o proprietário das cargas e o dono do contêiner.
Caso você seja um despachante aduaneiro, o primeiro passo para se defender de eventual cobrança de demurrage é verificar se você se responsabilizou, de alguma forma, pelo pagamento de indenização nos casos de atraso na devolução do contêiner.
Se você se responsabilizou, poderá dialogar com a empresa que lhe contratou, que muito provavelmente será dona das cargas, e tentar convencê-los a pagar os valores da sobre-estadia. É claro que, nos casos em que há certa desconfiança sobre a ilegalidade da cobrança daquele valor de demurrage, aconselhamos a procura de um advogado.
Agora, caso haja processo judicial, o Despachante Aduaneiro poderá pedir pela sua (i) ilegitimidade passiva, caso em que dirá ao juiz que não pode ser processado, visto que não tem responsabilidade nenhuma para pagar a demurrage. Essa defesa não costuma ser eficaz nos tribunais, mas, acreditamos que, se o Despachante não se obrigou com o pagamento da demurrage durante a prestação dos serviços aduaneiros, ela é válida; (ii) Entrar com ação de regresso, isto é, pagar o valor da sobre-estadia para o proprietário do Contêiner e depois cobrar o dono das cargas pelos valores pagos.
Em alguns casos, o despachante aduaneiro chega para desembaraçar a mercadoria e encontra dificuldade de prosseguir com a atividade de despacho aduaneiro de importação pelo fato do proprietário do contêiner exigir a assinatura do “Termo de Compromisso de Devolução de Contêiner”. Este Despachante assina o termo sem o conhecimento da importadora de cargas e, eventualmente, ocorre o atraso e a demurrage é cobrada.
Neste caso, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, caso o Despachante esteja portando uma procuração com poderes gerais de representação no despacho aduaneiro de importação, este poderá assinar o termo de compromisso e criará a obrigação ao dono das cargas em pagar demurrage caso aconteça.
Corajosamente nosso entendimento em relação ao tema diverge do Superior Tribunal de Justiça, o qual parece confundir institutos do direito e sofrer com a falta de experiência prática (know-how) dos ministros-julgadores no ramo do Comércio Exterior.
Acreditamos que o Despachante Aduaneiro não tem competência para assinar termos de responsabilidade sobre a demurrage ao representar o importador no despacho aduaneiro em hipótese alguma, ou seja, o Despachante não pode criar obrigações/responsabilidades ao proprietário das cargas na prestação de serviços aduaneiros, sendo esta relação de origem do Direito Privado e não Público.
Compreendemos que a procuração de representação do Despachante Aduaneiro não se confunde com a procuração geral- ad judicia et extra. Isto porque, enquanto a procuração geral transmite ao representante amplos poderes de atuação, a procuração do Despachante Aduaneiro, com base no Regulamento Aduaneiro, está estritamente ligada às atividades de despacho aduaneiro de mercadoria.
Ou seja, o despachante aduaneiro não pode representar o importador, exportador ou outro interessado nos atos que estão além das atividades do despacho aduaneiro.
Dito isso, afirmamos que a demurrage é uma relação entre privados, não tendo relação com a Aduana, responsável por realizar o despacho aduaneiro. Por este motivo, a demurrage não é atividade de despacho aduaneiro.
Para mais, o regulamento aduaneiro prevê a possibilidade de subscrição de termo de responsabilidade pelo despachante aduaneiro para dar continuidade ao despacho. Aqui, poderia se imaginar que o despachante é autorizado a assinar o “Termo de Compromisso de Devolução de Contêiner”, o que responsabiliza o proprietário da carga pela demurrage. Contudo, a subscrição do termo de compromisso previsto no regulamento aduaneiro é limitada às atividades aduaneiras, nas quais, como defendido no parágrafo anterior, não contemplam a demurrage.
São estes os motivos pelos quais o despachante aduaneiro não tem autoridade para assinar termo que cria obrigação para o importador, o exportador ou demais interessados.
Nosso entendimento é de que a questão nunca foi levada ao Poder Judiciário com estes fundamentos jurídicos que demonstrem a impossibilidade do Despachante Aduaneiro assinar o Termo de “Compromisso de Devolução de Contêiner”.
A demurrage é um fato sempre muito evitado entre os intervenientes no Comércio Exterior, especificamente no que tange o transporte marítimo. No entanto, algumas vezes, por fatos imprevistos ou não planejados, a sobre-estadia acaba ocorrendo e os valores dela devem ser pagos pelos responsáveis.
Neste cenário, é muito importante que o Despachante Aduaneiro conheça as suas responsabilidades na demurrage, bem como as consequências jurídicas caso descumpra com suas obrigações.
Para se manter atualizado, é só ficar ligado aqui no blog. E se quiser tirar dúvidas sobre qualquer assunto de Comércio Exterior, agende uma consulta com nosso especialista.
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